Quem
nunca sonhou em sair pela estrada de carona? Conhecer novos lugares, novas
pessoas, novas culturas... Hoje, o Joguete entrevista Leo Carona, mineiro e
mochileiro popular na rede que um dia decidiu sair em busca do acaso.
E
vocês, olho vivo e faro fino!
Nome:
Leo Carona
Idade:
24 anos
Profissão:
Engenheiro de Software
A
entrevista foi cedida pelo facebook, mais precisamente pelo celular, tarde da
noite, com certa dificuldade, mas acabou dando certo graças à boa vontade do
Leo. Em meio às minhas informações mal arranjadas, interpretações ambíguas das
respostas e outras coisas chatas que o Leo foi super gente boa em suportar,
deixo aqui meus sinceros agradecimentos.
O
que te motivou a virar um mochileiro? Conta essa história pra gente.
Comecei
quando morava em Viçosa (cidade universitária de MG). Onde eu resolvia ir
visitar meus pais eu não me conformava em pagar ônibus para isso. Já sabia que
uma pessoas pediam carona na saída da cidade, e quando eu ia fazer o mesmo, eu
tinha certa vergonha ou medo de mofar sem ninguém parar pra me levar. Eu tive
que enfrentar isso em mim. Foi difícil, mas consegui enfrentar isso e comecei a
viajar mais frequentemente nesse trajeto. Até conhecer a Mah, uma garota do sul
do Brasil que me ajudava a baixar um seriado na net, e ela resolveu a sair
sozinha com seus olhos claros, pedindo carona pelas estradas do Brasil até
minha republica em Viçosa. A levei pra Ouro Preto e carnaval na minha cidade
Raul Soares. Por causa dela cheguei ao insight “se eu viajo sempre de carona
por esses lados, eu também posso conhecer outros estados além das fronteiras
mineiras.” Eu só havia ido à praia mineira até então, Espírito Santo. Eu não me
conformava em pagar ônibus pq sabia q sempre tinha gente indo pra minha cidade
em carros vazios, q não se importariam em me dar carona.
Nada
mais emocionante do que a primeira vez. Você poderia compartilhar conosco a sua
primeira viagem e a reação da sua família ao se dar conta de que criavam um
peregrino moderno?
Hahaha,
realmente o termo 'peregrino moderno' cai bem, já que os clássicos geralmente
eram os hippies andarilhos, e eu sou tecnológico d+, e uso muitos recursos
cibernéticos nas minhas viagens (como mapas online, redes sociais e comunidades
de viajantes q se encontram por internet). Não sei quando foi a primeira
viagem, mas foi por volta dos 18 anos. Pra fora do estado eu devo ter ido aos
19 anos, com a Mah, que tinha 18 na época. Quando cruzamos a fronteira a
primeira vez, chegamos a Ribeirão Preto. De la, liguei pra minha família e
falei pra minha mãe onde eu tava. Ela assustou e a ouvi alarmando ao fundo pro
meu pai "ele está em São Paulo!", enquanto eu pensei "ela que
não imagina que o plano é ir ao sul", e o lugar mais longe (ao sul) dessa
viagem acabou sendo a ilha da magia (Floripa), já em Santa Catarina.
Uma
loucurazinha na vida, todo mundo faz. Mas transformar isso em seu estilo de
vida não é para qualquer um. Então, o que te convenceu a continuar na estrada?
Aprender,
conhecer, ultrapassar minhas próprias fronteiras, me expor a situações
inesperadas, e porque não, surpreender (a mim e) às pessoas: ser falado, como
um idiota por saber dos riscos, ou como um admirado corajoso q faz algo que
poucos se arriscariam, embora tivessem a mesma vontade. De bixa, satanista
gótico, drogado ou qualquer coisa do tipo, eu virei o cara que foi parar lá em
far far away pedindo carona. (ah, eu nunca fui um adepto as drogas dessa forma,
só ironizei os boatos bobos).
Qual
a pior coisa que te aconteceu na Infinita Higway, que te fez pensar: "O q
eu tô fazendo aqui?" E qual a melhor?
Pensar
"O q eu tô fazendo aqui?" eu já pensei um bocado de vezes, geralmente
nos lugares onde eu fico sem o que fazer, entediado, ou em estradas onde ta
difícil conseguir carona (comum em feriados ou finais de semana). A infinita
highway, br 101, já me deu dor de cabeça na altura do sul da Bahia (onde estive
duas vezes), no norte de SP (indo pro RJ) e na chegada de Porto Alegre (RS).
Ora pq na região é difícil conseguir carona, ora pq chovia sem parar (e
conseguir carona de baixo de chuva é foda). Já tive medo, em carona até com
cara que assumiu ser traficante, e o q pensei, bolando uma estratégia ao mesmo
tempo q não exprimia o q pensava, foi "se rolar algo, abro a porta, jogo a
mochila e 'tento' cair sobre ela". Mas nunca rolou nenhum problema. De
bom... Uma das experiências mais interessantes foi na Argentina. Além de ter a
coragem de pôr um caroneiro desconhecido (eu) no carro 0 km q tinha acabado de
comprar em Buenos Aires, o cara ao saber q eu não dava noticias a meus pais há
duas semanas, desbloqueou seu celular pra chamadas internacionais e me fez
ligar pra eles (q ficaram mt agradecidos, como sempre). Além disso, me pagou um
lanche com refrigerante e ainda ligou pro cara que ia me hospedar, entrou na
cidade e me deixou exatamente onde ele tava.
Nossa!
Vocês se comunicavam em Espanhol?
Então,
essa foi a primeira vez fora do país. Eu tive q me virar com um péssimo
portuñol, foi meio foda, mas enfrentei (e hj já posso me comunicar bem melhor,
sem mesclar com português).
Qual
seu maior objetivo em levar uma vida libertina? Como você consegue se manter
financeiramente dessa forma?
Não
é uma vida, são só um ou dois meses de férias geralmente. Desde o começo (18
anos, 6 anos atrás) sempre estive no sistema (embora não pareça) de aulas na
faculdade, e agora (pra diminuir as oportunidades) eu trabalho. Eu sempre ia,
me jogava por aí (as vezes sem grana alguma), me sentia e vivia libertino, mas
tinha consciência q tinha q voltar (por vontade própria) pra volta as aulas.
Sempre gostei de aprender, mas sabia q faculdade era o único lugar onde eu
aprenderia mais sobre algo especifico, e não tinha q me esforçar tanto pra
obter informações. Eu to empregado, vai dificultar um pouco as viagens
mais longas 'a dedo'. Ao chegar dessa ultima viagem (norte brasileiro, Peru e
Bolívia) a empresa onde eu estagiava me contratou. Não deixei as viagens de
lado, mas ficarão mais difíceis agora. Pro próximo fim de semana mesmo eu ando
pensando em dar um pulo na Cidade Maravilhosa, pedindo carona (novamente) pela
BR 040. E a questão do financeiro, eu viajei muito por aí a fora sem grana.
Meus pais não ajudavam pra essas coisas, e eu tinha meus objetivos de aprender
a me virar, de dar a oportunidade das pessoas ajudarem a um desconhecido em sua
exposição ao acaso. Sendo ao acaso, tudo que veio pra mim foi lucro.
Você
poderia fazer uma listinha dos lugares por onde passou dentro e fora do Brasil?
Vish,
posso resumir. Pq to no celular aqui. Já passei (só de carona) por todos os
estados do litoral leste brasileiro (do RN ao RS), mais países UY, ARG, CHI.
Janeiro agora, cheguei de Rondônia ao Peru de carona, mas dentro do país
desisti d caronar. Aí fui pra Bolivia também, cruzando o país em ônibus,
servindo também de interprete a dois brasileiros que conheci na chegada ao
Peru.
O
resto do Brasil já está excluído da sua lista?
Não
mesmo, o Brasil não ta excluído, tanto q na ultima viagem eu elegi passar por
dois estados nortistas (RO e o lindo AC). É fato q o exterior me interessa
bastante, pq eu amo aprender línguas e ainda não sou totalmente fluente em
nenhuma além de português. Mas tenho na lembrança muito Brasil, sobretudo
lindas praias nordestinas, o Rio, Floripa e bons amigos espalhados por aí.
Você
se mantém legalmente nos outros países? Como se dá esse processo migratório?
Pela
América do Sul (onde estive até agora) o processo é muito tranquilo: chega à
fronteira do país que deseja visitar, busca a aduana (um escritório normal) com
seu RG e algum papel adicional (dizem q países como Peru e Uruguay exigem
vacina de febre amarela, mas não me pediram), e pronto - te dão um papelzinho
de entrada no país que só te resta cuidar pra que ele não molhe, rasgue, ou
seja, roubado durante seus dias no país.
Você
programa antes todo o seu roteiro de vigem, (o q você vai conhecer, onde vai
ficar) ou é tudo "na doida"?
Eu
costumava não programar nada, só ia baseado em alguma ideia, como "vou pro
sul", e nas cidades que chegava, entrava na net e buscava outras opções de
hospedagens (couchsurfing ou conhecidos virtuais) em outras cidades. A partir
das respostas positivas de hospedagem, meu percurso se traçava.
Na ultima viagem tentei programar um pouco, com ajuda duma amiga caroneira da
Eslováquia q viajou por aqui. Acabei chegando ao Peru e desanimei de seguir
viagem sozinho quando cheguei a Cusco.
Algum
lugar cujo você se arrependeu de ir? Algum q você gamou tanto que teve vontade
de morar lá?
Quando
cheguei ao Peru eu me arrependi de ter ido pra la. Acho que o que me passou é
que eu me mudei um pouco nos últimos meses e não havia me dado conta disso. Nas
outras viagens eu tinha mais tempo de férias (2 meses de férias da faculdade) e
eu vivia um pouco mais sozinho (morava sozinho e mal saía de casa). Nos últimos
meses eu havia começado a trabalhar (a minha volta agora tem data e obrigação)
e fui morar em uma republica com uns amigos de Viçosa, então havia tbm me
acostumado a passar mais tempo com colegas e amigos, a não estar tão sozinho.
Eu
tava em Cusco (Peru) e dois brasileiros que conheci me ofereceram pagar minha
passagem de ônibus pra ir com eles ao Lago Titicaca como seus interprete pra
conversarem com os habitantes das ilhas flutuantes). Meu sentimento era o de
ficar no gostoso frio de Cusco os últimos 10dias de ferias e voltar pelo mesmo
caminho de vinda, de tão desanimado que fiquei com a viagem. Mas aceitei o
convite deles, e vi neles possíveis companheiros de viagem, pra me animar um
pouco mais. Sugeri voltarmos ao Acre cruzando a Bolívia, mas como eles tinham
muitas malas, o meio de transporte teria que ser ônibus. Aceitaram e assim o
fizemos: cruzamos as precárias e bizarras estradas bolivianas em ônibus
(passagens exageradamente baratas) e nos hospedamos em hostels (não havia
CouchSurfer na maioria das cidades), coisa que eu devia ter feito não mais que
três vezes na minha vida, mesmo já tendo viajado tanto.
O
litoral brasileiro é lindíssimo, sempre quero voltar. Não costumo me fixar
muito com nenhuma cidade pq sempre quero conhecer outras. Mas, o Rio de Janeiro
é a única cidade brasileira que quero morar, se eu não me mudar pra fora do
país direto. Acho o Rio lindo, cheio de opções de lazer que me interessam e
aumentam minha motivação pra ter tbm uma vida rotineira de trabalho, sem contar
que agora há um garoto por la, e muitos gringos pra facilitar minhas práticas e
aprendizado de outros idiomas (tem muitos que ainda quero aprender).
Muitas
pessoas têm uma visão romântica a respeito dessa vida andarilha, idealizando e
deturpando a realidade da rotina de um mochileiro. Você poderia desmistificar
essas fantasias ou alimentá-las ainda mais (risos)... Conte-nos como é pedir
carona nas estradas brasileiras.
Bom...
A falta de dinheiro é a principal desculpa das pessoas para não viajarem. Até
que chega o dia que a desculpa muda: elas passam a não ter mais tempo, porque
estão trabalhando muito. Aí elas ficam velhas, e dão conta que traçaram uma
ótima carreira profissional ao longo de suas vidas, ou que pelo menos
conseguiram se manter vivas pagando por algumas das coisas que quiseram. Acho
que isso não deve ser o principal, fica faltando às pessoas e outras vivências.
Se tem uma coisa que é legal fazer, e é legal que façam por você, é a prática
da gentileza. E pode acreditar, tem muita gente desconhecida por aí disposta a
ser gentil com você, assim como foram e são comigo. Mas preste atenção: nem
tudo que você quiser será possível (o que te ensinará a não exigir coisas -
sobretudo conforto - demais), e você aprenderá a dar mais valor ao que
realmente é necessário. Muita gente vai te dar a oportunidade de conhecer e
experimentar coisas que você não teria o direito (o dinheiro) de conhecer, e
aquelas que forem mais inesperadas provavelmente serão as mais marcantes. E
quando você perceber, você terá caído no ciclo: estará ajudando (ou dando o
direito) das pessoas conhecerem coisas que dificilmente conheceriam sem você.